O som perfeito (para meus ouvidos)
Costumo dizer, brincando, e entre amigos:
- Se me pedissem para indicar três coisas boas da vida, em ordem de importância, responderia que a 2a. é música e a 3a. é ar condicionado.
Passei a vida buscando encontrar o som perfeito para meus ouvidos, em que o timbre e a tonalidade convivessem em harmonia.
As primeiras músicas foram ouvidas na Rádio Nacional (Nelson Gonçalves, Carlos Galhardo, Dolores Duran, Emilinha Borba, Cauby Peixoto, Ângela Maria, Núbia Lafayette, entre outros).
Não tínhamos toca-discos em casa. Lembro-me bem dos saraus musicais que pude apreciar (da janela) e que eram oferecidos por Dôra, do Sr. Joaninho, na pracinha da Boa Esperança.
Em razão da minha admiração pela música (efervescente no Brasil e no mundo no início dos anos 60) e por começar a me aventurar pelos acordes do violão, ganhei uma vitrola por volta dos 12 anos.
Era da marca Phillips, pequena, capa de plástico cor laranja, alto falante embutido na tampa, e que foi comprada na loja ¨A musical¨, que ficava ao lado do Centro Cívico. Era muito simples e eu não gostava do som. Parecia ter o som de uma ¨taquara rachada¨, como diria minha tia Adélia.
No entanto, foi a que eu pude ter naqueles tempos.
E fiz (inúmeras vezes) várias ligações tentando obter o som que para mim soaria como perfeito. Usei vários alto falantes (de vários tamanhos e pesos) sempre acreditando que o maior forneceria o melhor som (ledo engano). Fiz caixas de madeira, usei alto falantes de rádio, usei outros encontrados (com defeito, obviamente) no fundo do quintal.
Os resultados foram frustrantes.
Algum tempo mais tarde meu irmão Leir trouxe do Rio de Janeiro um toca-discos de excelente qualidade, com duas caixas de som acopladas e presas por dobradiças móveis de metal, uma em cada lado. O som era perfeito e equilibrado, e havia os controles dos graves e agudos. E de uma marca pouco conhecida até então: Telefunken.
Por um tempo este aparelho ficou exposto na nossa sala e minha vitrola ficou esquecida.
Os meus ouvidos agradeceram ao aparelho e ao Leir.
Na década de 60 houve um ¨boom¨ de conjuntos e cantores pelo mundo afora, e chegaram até nós os grandes sucessos da época nas vozes de americanos (Elvis Presley, Paul Anka, Frank Sinatra, Beach Boys, Trini Lopez, Nat King Cole), ingleses (Beatles, Rolling Stones, The Animals), italianos (Peppino di Capri, Bobby Solo, Giani Morandi, Domenico Modugno, Rita Pavone, Sérgio Endrigo), franceses: Johnny Halliday, Chriz Montez, Alain Barriere, Salvatore Adamo, Dalida, Gilbert Becaud, Herve Villard, Mireille Mathieu, Edith Piaf); mexicanos (Miguel Aceves Mejia e outros).
No Brasil, competiam, de forma magistral e com músicas inesquecíveis, a ¨MPB¨ e a ¨Jovem Guarda¨: nas vozes de João Gilberto, Nara Leão, Vinicius de Morais, Tom Jobim, Elis Regina, Jair Rodrigues, Edu Lobo, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa, Martinha, Renato e seus blue caps, Jerry Adriani, Os Vips, Trio Esperança, Golden Boys, Sérgio Reis, Ronnie Von, Agnaldo Timóteo, Altemar Dutra, e muitos e muitos outros.
Em 1968 vim para Vitória continuar meus estudos e não havia mais tempo disponível para as músicas, os bailes e as pequenas festas.
A vitrola ficou com meu irmão Mimi, que nunca reclamou do som, pois gostava de qualquer música, em qualquer altura e em qualquer tom (anjos são assim e para eles todos os sons são celestiais).
Continuei perseguindo o som perfeito e hoje penso ter encontrado.
Mas não ouço o som do século 21.
Ouço meus LPs (em sua maioria do século 20) em um Toca-discos Gradiente, fabricado há 45 anos que funciona com um Amplificador Polyvox de 1980. Ouço e gravo fitas cassete (acreditem) em um tape deck Sony, de 1982; ouço e gravo mini-discos em um MD Player Sony dos anos 90; e ouço CDs em um Discman Sony dos anos 70 (aquele que colocávamos em uma bandeja para ouvir nos carros, antes de surgirem os toca discos automotivos)
Ou seja, no novo século encontrei para mim o som perfeito, curiosamente com os aparelhos do século anterior (muitos dos fabricados hoje são propositadamente descartáveis, infelizmente).
Tive a felicidade de ouvir a verdadeira música.
Música que hoje ouço todos os dias, anos 60, anos 70, anos 80.
E que me protege do lixo acústico atual que se espalha como um incontrolável vírus, poluindo ouvidos e mentes.
Luis Renato da Silveira Costa
Enviado por Luis Renato da Silveira Costa em 18/04/2024