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Luís Renato S. Costa
Sou mais presente na ausência.
Textos
Sobre músicas
A manifestação musical, segundo nos revela a história, sempre esteve intimamente ligada aos sentimentos das pessoas, aos anseios de uma sociedade, aos valores originários das culturas, e, sem dúvida, às emoções vivenciadas por aqueles que ousaram, em um determinado momento, exprimir o que sentiam, sem a preocupação de serem considerados corretos ou não, sem temer estarem certos ou errados. Dentre as emoções, o ódio, o desamparo, o orgulho, a tristeza, a solidão, o ciúme, a alegria, a paixão e, principalmente, o amor, sob todas as formas de manifestação.

Então, talvez seja possível afirmar que a música assim produzida confirmaria que ¨a arte imita a vida¨, pois materializa, em essência, o eu profundo de quem a produz, o momento vivenciado e a sensação sentida. Acredito que assim foram criados os hinos de toda natureza (do louvor a uma fé ou crença à uma exaltação do solo pátrio), as
óperas (que expunham o trágico sob forma poética e amorosa), os clássicos (que refletiam os movimentos sociais e culturais de uma determinada época), o rock (como manifestação ampla dos anseios da juventude), etc., etc., e por assim adiante.

Em 1792 tropas revolucionárias marcharam de Marselha a Paris entoando uma marcha composta pelo soldado e violinista Claude Joseph Rouget de Lisle, a pedido do prefeito de Estrasburgo e que inspirasse a cidade a resistir à possível invasão que seria realizada pela Áustria, com o objetivo de restituir o rei Luís XVI ao poder. A letra foi formada por frases escritas nos muros da cidade e a música evocava a esperança em quem a escutasse. Uma fotografia da vida que se vivia então e que até nos dias atuais nos comove, nos encanta e nos remete ao mais puro patriotismo. Tornou-se em 1879, por este motivo, o hino da França.  

Entendo, pois, a música como algo mágico, que transcende o comum e que penetra em cada um dos que a ouvem, interagindo positivamente ou não, despertando apreciação ou repulsa, alegria ou tristeza, surpresa ou acomodação, mas nunca, efetivamente nunca, nos mantendo indiferentes.

Talvez por isso esteja tão presente na nossa vida, no nosso dia, mesmo que não tenhamos consciência deste fato, na rotina das horas que velozmente passam por nós.  

Um dia, como ocorria em outros tantos dias, acredita-se que dois amigos viram passar no calçadão da praia de Ipanema (ou na Rua Montenegro – talvez; talvez no Bar Veloso – quem realmente sabe?) uma graciosa e bela jovem de 17 anos de idade. E, tomados por esta visão peculiar materializaram, na mente, em um pedaço de papel (Vinicius de Morais – o poeta) e em teclas de marfim e ébano do piano (Tom Jobim – o músico), o que seria pouco tempo depois a ¨Garota de Ipanema¨, que saiu do bar, da praia ou da calçada e, sob a forma de acordes (compostos por mínimas, semínimas, semibreves e colcheias) cuidadosamente e poeticamente assentados por palavras e frases, correu mundo e pousou definitivamente no imaginário popular como uma importante obra musical.

E assim, tantas outras, desencadeadas pelas mais diversas e até então inimagináveis situações.
Estas sim, confirmando que a verdadeira arte sempre se espelhou na vida.

E a arte musical foi profícua na segunda metade do século passado. Harmonias belíssimas, letras expressivas e representativas dos momentos vividos por aqueles que as escreveram.
¨Tu és, divina e graciosa, estátua majestosa, por Deus esculturada
¨A deusa da minha rua tem um
¨Nesta minha vida agitada, já não tenho mais tempo prá nada, já não posso mais pensar no amor. Mas veja só que mesmo assim: Eu estou apaixonado por você...
¨Se um dia meu coração for consultado, para saber se estou
¨A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mais eis que chega a roda viva e carrega o destino para lá...
¨Você era a mais bonita das cabrochas desta ala, você era a favorita, onde eu era mestre sala
¨Sonhei que um dia eu era um trovador, dos velhos tempos que não voltam mais. Sonhava assim à toda hora, as mais lindas modinhas do meu tempo de outrora.

¨Estou amando loucamente a namoradinha de um amigo meu
¨Você passou por mim, sem dar-me atenção, mais logo percebi que para mim seria o fim de uma solidão...

As flores do jardim da nossa casa morreram todas de saudade de você...

Vou voltar para o meu lugar. É ainda lá, onde eu hei de ouvir cantar uma a
E a vida; E a vida o que é meu irmão? Ela é a batida de um coração? Ela é uma doce ilusão?

Hoje os valores são outros: vencer a qualquer custo e lucro acima de tudo.
A tentativa é fazer o contrário: que a nossa vida seja influenciada pelo grotesco que se diz arte e que busca nos atropelar e nos fazer deglutir de afogadilho tanto lixo.

Da falta de inspiração, da falta de sentido, da falta de conteúdo, surge, a todo dia e a toda hora, algo vazio em si mesmo, que nada acrescenta, que não educa, que confunde, que idiotiza.
E a isto (algo amorfo e insípido) continuam denominando ¨música¨.

Perdeu-se a essência.
E o que é pior: há quem goste.
E o que é pior: há quem divulgue.
E o que é pior: a tendência é piorar, como se possível fosse.
Luis Renato da Silveira Costa
Enviado por Luis Renato da Silveira Costa em 18/04/2024